CORRIDA PARA O FUNDO DO POÇO – A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL

março 17, 2020

A situação dos vínculos empregatícios na era digital, com Francisco Thainan

 “Agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego” - Construção
A música de Chico Buarque esboça a relação dos trabalhadores com o meio em que estão inseridos, na qual o lucro é o mantra. Com a tecnologia em outro patamar o quadro de exploração se acentua dia após dia, modificando as relações no novo século e apresentando a precarização do trabalho.

Os avanços tecnológicos caminham numa linha tênue de benefícios e malefícios, agregando algumas problemáticas aos prestadores de serviço. Quando facilita a execução dos trabalhos de modo mais rápido para quem consome, a internet traz consigo a desregulamentação aos trabalhadores, como é o exemplo dos principais aplicativos de serviço: iFood, Uber e entre outros.

Diante das baixas perspectivas de emprego no Brasil, as pessoas dirigem-se ao trabalho informal, oferecido nessas plataformas digitais. A pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, denota que nos últimos anos as empresas citadas passaram a dominar a oferta de trabalho: aproximadamente 4 milhões – segundo a CartaCapital -, o que alguns acadêmicos chamam de fenômeno da Uberização.

CARTA CAPITAL

No curso ministrado para a TV Boitempo, o sociólogo Ricardo Antunes, autor do livro O privilégio da Servidão, afirma que existe um novo proletariado na Era digital, construindo ao longo do tempo um perfil de trabalhador intermitente – que atua conforme relações de demanda -, desprovido de perspectivas de futuro.


Não obstante, a Reforma Trabalhista aprovada em 2017 no governo Temer só acentuou a gravidade do contexto. Para Francisco Thainan, economista pela PUC-SP, o Brasil necessitava de uma mudança. Todavia, em alguns artigos específicos a Reforma Trabalhista caminhou realmente para a Uberização da Economia: eles legalizaram aspectos presentes nos aplicativos- como o trabalho intermitente, que antes não existia no vínculo empregatício brasileiro. Hoje, a maioria do saldo de trabalhos gerados estão nessa categoria, afirma ele. Logo, o que existe são postos gerados e não pessoas empregadas: uma pessoa só com vários trabalhos, recebendo um subsalário, apresentando um saldo positivo na geração de empregos, o que é vendido com melhor roupagem para a mídia.

À parte o que já foi apresentado, Francisco explica que diante desse cenário há também o receio dos trabalhadores: o negociado vem antes do legislado. Com isso, existe o desmonte gradual dos sindicatos, intimidando a classe proletária diante das irregularidades no trabalho - o que só piora com o contexto do desemprego no país.
VITOR TEIXEIRA

Essa precarização inerente à desregulamentação traz consigo a “pseudoliberdade” aos empregados. Para o economista, o discurso empoderado sobre empreendedorismo foi importante na primeira fase de implementação desse tipo de trabalho. Entretanto, o principal fator foi a crescente desindustrialização da economia nos últimos anos – desde 2014. Para ele, a ausência de opções de trabalho foi o que catalisou a uberização. Essa falta de “catálogo” é, segundo Francisco, fruto dessa economia desindustrializada: “a nossa proporção industrial em relação ao PIB hoje é muito próxima da época regida pelo advogado Café Filho, ou seja, ainda na regência do Getúlio Vargas. E Isso é um fator relevante para entender o nível de desemprego no Brasil, que gira em torno de dois dígitos, o que faz do trabalho informal a única opção”.

Por fim, ele conclui que o Uber não é a solução mais viável, mas se torna um “vagalume no escuro para os desempregados. Diante da potencialidade de precarização, muitos jovens adentram nesse mercado para complementação de renda das famílias. Esse processo, segundo ele, era bem observado algumas décadas atrás, nas famílias de agricultores no nordeste do Brasil.
“O mais incrível é que independe da formação de nível intelectual. Hoje, por exemplo, é muito comum em São Paulo você pegar um Uber engenheiro”

Em suma, a tecnologia agregada à precarização do trabalho é um dos males do novo século. Se Chico Buarque escrevesse a letra da música Construção hoje, muito provavelmente não existiriam alterações, talvez o compositor apenas citasse o entregador do iFood em mais uma jornada de trabalho, correndo para bater a meta do dia, ou melhor, correndo para o fundo do poço, sem nenhuma outra alternativa.

  • Share:

You Might Also Like

0 comentários